22.9.08

paz e homossexualidade

estranho falar de paz! o movimento guei é cercado de lutas e enfrentamentos, de buscas, afirmações, imposições, conflitos, mágoas, superações, enfim, sinônimos de uma verdadeira guerra! ao pensar sobre esse tema, surge-me a imagem da origem do movimento guei moderno, precisamente em 28 de junho de 1969, há apenas uma semana depois da chegada do homem a lua; uma rebelião nas ruas de nova iorque contra a constante repressão policial sobre o bar stonewall e seus freqüentadores, lésbicas, gueis, travestis, estudantes, latinos e populares. surge-me a imagem de madame satã, personagem da noite na lapa do rio de janeiro na década de 1920; preso, humilhado, transvestido, transviado, delinqüente. penso em alfredinho de pelotas, bixa e louco da bicicleta colorida, que percorria as madrugadas geladas de nossa cidade, tocando suas buzinas; assassinado a punhaladas na praça coronel pedro osório, na década de 1970, sem nunca se esclarecer o crime. entre tantos outros e outras vítimas do preconceito, da homofobia, do descaso das autoridades ou da sociedade. penso nas centenas de homossexuais vítimas do ódio que tombaram frente a uma bala, a uma surra, a tortura e a humilhação...
enfim, falar de paz e homossexualidade é difícil. difícil, mas necessário! somos uma minoria social, um grupo de pessoas que detém entre si a constrangedora característica de afeto por pessoas do mesmo sexo. constrangedora, por que é um afeto que incomoda, que intriga, que gera repúdio e violência. é o amor que gera ódio, a carícia que ofende, o beijo que enoja. ainda assim, não somos todos um. somos muitos, e em muitas condições, situações, posições sociais. não podemos ser ingênuos ao ponto de achar que os gueis são um grupo coeso e unido, tão pouco os heterossexuais o são. 
entre nós existem muitas formas, que chamamos de expressões sexuais, infinitas práticas da hetero à homossexualidade. também não pensamos a mesma coisa, não vivemos todos a glamourização da mídia, a banalidade do senso comum, ou tão pouco a perversão moral dos costumes. mas em uma coisa somos um, somos um corpo castigado e faminto.
o brasil teve em 2007 um saldo oficial de 122 assassinatos por homofobia, um crime a cada três dias. sem contar, evidentemente, aos maus tratos e subjugações adversas de outros tipos de violência, que certamente chegam a casa dos milhares. nesse cenário, a paz parece um sonho distante, uma utopia quixotiana! quais são as soluções?
um das mais freqüentes soluções buscadas é o silêncio, um segredo velado da sexualidade enrustida. uma vida erguida de aparências, de prazeres escondidos e sentimentos sufocados. osilêncio que não fala para a família, que esconde o timbre da voz ou os trejeitos denunciadores! é uma negação do ser, do que está constituído, em busca de uma construção ideal, de um modelo social vigente que traga a paz, ainda que aparente, às pessoas. lembro-me da letra do rappa: Pois paz sem voz, não é paz, é medo! 
outra saída é o isolamento, que afasta dos outros, que encerra a pessoa na privação de sua casa, em guetos escolhidos com cuidado, nos lugares onde se pode e onde não se pode ser quem se é, os lugares heteros, os lugares gueis. quem nunca escutou a sentença ética: aqui não é lugar, nem hora para isso!?
o consolo espiritual é outra forma de busca de paz. tentando encontrar sentindo, direção, respostas para as perguntas que circulam a existência, tentativas de amaciar a dor de existir. muitas vezes negado veementemente pelas mais diversas religiões, poucas vezes acolhido sem trauma, com plena aceitação, sem respostas cármicas, pecados mortais ou sentenças reencarnáticas.
por fim, a busca da paz, desse corpo, como já dito: ferido e faminto, pode levar a destruição, a autodestruição, ao confronto moral, a decadência social, a morte e a violência.
qual é a paz que desejamos?!
queremos o direito a indiferença! nada tão complexo ou distante da vida que todos planejam para sim. queremos roda de chimarrão com amigos, cinema com pipoca, passeio de mãos dadas e jantares com afagos. queremos pode expressar, dizer, mostrar, ver, sentir, beijar, tocar, abraçar e viver nossa afetividade, sem que para isso seja necessário o aparato legal do estado e sem a prontidão de ser repreendido. 
queremos o direito a liberdade! queremos o amparo legal do estado: casar, divorciar, adotar, herdar e deixar em herança, queremos pagar as nossas contas juntos, planejar um empréstimo, calcular o imposto em família. queremos um estado laico, o fim dos “simpatizantes”! queremos ser uma família, ou sermos algo melhor! queremos ter o direito a utilizarmos nosso corpo como o desejarmos! queremos denunciar a hipocrisia, o preconceito, a injustiça e o descaso... tudo o que queremos envolve ainda muitas lutas! mas entendemos que nenhuma dessas conquistas é verdadeira, diante de uma sociedade desigual. diante de um feroz sistema de produção que aliena e distancia o homem de sua essência. entendemos que somos mártires de um mundo que também participamos como carrascos. entendemos que somos nós também agentes de hipocrisia e de preconceito, de exclusão e de violência. não queremos que nos tomem o quinhão de nossa culpa, de nossa falha na condução de uma sociedade mais pacífica, tão pouco de jogar para outros as responsabilidades de ser humano. entendemos por fim, que a humanidade é diversa, múltipla, calendoscópica! estamos castigados e famintos! queremos paz! 

discurso do grupo também no fórum da paz em pelotas.